O homem de Peixes

Quando o conheci, não tinha ainda completado vinte anos. Já ele, parecia não ter idade. O conheci em um bar, num daqueles que você se aquece para ir a um outro. Para dançar. Queria dançar a noite toda. No Opinião. Mas ele chegou, de viola na mão e me emprestou o suéter. Preto e de gola V. Fazia um frio danado em Porto Alegre. E eu fiquei ali num bar da Osvaldo, cantando, bebendo. Ai, se meus pais soubessem...'Minha filha pelamordedeus, não vá pra Osvaldo Aranha...' A Osvaldo era lugar da pesada, lugar de bêbados e drogados, segundo a vox popoli.

Depois voltamos para casa. A pé.

Davi, seu nome era Davi, tocava e cantava pelas ruas: eu tenhos os olhos doidos, doidos, doidos, já viiii, meu olhos doidos, doidos, são doidos por ti... Na despedida, devolvi o blusão e junto dele foi meu calor, assim disse Davi. Discreto. Sedutor. Nos reencontramos, no Parque da Redenção. Davi não tinha pressa de nada. Davi foi um divisor de águas. Com ele aprendi a fazer suco de maçã com mel, passei a ouvir Velvet Underground, a frequentar a Redenção no meio da madrugada e a acalentar desejos que desconhecia. Com ele, descobri que um homem de Peixes nunca toma você. É você que se entrega a ele.

Um dia, ao perceber que Davi não estava mais ali, o mandei embora. Para que ele soubesse, também. E nunca mais vi e ouvi falar dele. Hoje me pergunto se ele realmente existiu.